25.9.11

O ouvido musical: uma reflexão sobre formação e percepção para o louvorO ouvido musical: uma reflexão sobre formação e percepção para o louvor


28/8/2011 23:44:32

Por Nivea Lazaro

Após longo e tenebroso inverno... Bem, na verdade, estamos ainda aguardando a primavera! Penso que talvez seja assim também com respeito aos cânticos de louvor da nação cristã brasileira, principalmente os dominicais, que cantamos em nossas igrejas. Um raio de sol aqui, ali, algumas flores ameaçando abrir em botões em jardins remotos e outras já abertas, porém desconhecidas do grande público. Além disso (continuando a metáfora), há as lindas rosas, lírios, gerânios, crisântemos que enterramos no baú do cantor cristão, na harpa cristã etc etc.

Um exemplo sintomático disso e que pude experienciar em uma das igrejas da região do Brasil em que estou (sudoeste da Bahia): domingo pela manhã, momento de louvor. Um grupo de aproximadamente oito adolescentes no púlpito, liderados por uma jovem ministrante de cabelos castanhos e pontas vermelho-alaranjadas conduzem a igreja durante o período de louvor. A impressão era de que havia um jardim no palco, todos coloridos que estavam (um “Restart gospel”?). Passaram a palavra para uma missionária que trouxe a mensagem naquela manhã. Ao final da pregação, ela pediu que tocassem um cântico que, de certa forma, sintetizava toda sua mensagem. Devo dizer, seria como aquele arremate perfeito para uma peça de crochê. Naturalmente, solicitou ao mesmo grupo de adolescentes que executasse a música, mas nenhum deles a conhecia. No entanto, toda a igreja cantou com ela e sem projeção da letra.

Diante dessa pequena história, impossível que não emergissem algumas questões: quais os processos que fizeram com que eles desconhecessem um cântico que, em determinado período da igreja, foi tão conhecido? O que se está cultivando nas igrejas protestantes em termos de música? As respostas não são simples e não são também particulares ao meio cristão. Esses dias, vendo um documentário sobre samba de partido alto (o “samba de improviso”) e observando a destreza dos “partideiros” em compor versos com rica elaboração em termos de versificação, síncope e contratempo, impossível não me perguntar sobre os processos que levaram a mesma massa que admirava tais composições hoje ouvir... O que ouve.

Esta é uma questão que “dá pano pra manga”, como se diz. Mas talvez alguma luz sobre a ponta do iceberg se mostre. Uma metáfora que me ocorre diz respeito, por exemplo, à língua. Ouvi de uma professora na universidade que, para os esquimós, há muitos nomes para a cor branca. Ora, em terras tupiniquins, não há neve e a cor branca está mais presente nas paredes das casas do que na terra propriamente dita. É compreensível que, para vários tipos de branco dos esquimós, nós só compreendamos, simplesmente, “branco”. Não enxergamos todos os matizes, as nuanças. Nosso olhar não foi treinado para isso. A partir daí, outro ponto decorre e, talvez, mais polêmico (dado seu aparente caráter de exclusão): um artista plástico nunca enxergaria a pintura da forma que um cantor a vê. O olhar do artista é treinado para este enfoque. De semelhante modo, um cantor profissional não admira a música da forma que um chef admira. Além de particularidades psicológicas e culturais de cada indivíduo, sua formação musical (teórica e/ou prática) lhe direciona o olhar, filtra sua percepção. Por esta razão, considero superficial afirmar “um músico pode gostar tanto de música quanto um pintor, um cozinheiro”. Uma observação pouco acurada já coloca este tipo de afirmação em dúvida.

Retornando à história dos jovens ministrantes de louvor, à luz dos pontos acima, outra questão que se coloca diz respeito, especificamente, à formação e educação musical no Brasil. Se tomarmos por hipótese que no Brasil houvesse educação musical que atendesse às necessidades (e aqui, outro ponto para discussão) dos alunos desde a institucionalização do ensino no país, teríamos grande parte de um estado ouvindo um estilo de música conhecido por “arrocha”? Acredito que não se trata de uma previsão tão difícil de fazer.

Certamente, o momento histórico de cada período é grande fator de influência (tanto para o que ouvimos quanto para o que produzimos); entretanto, é preciso que se pergunte: em que medida o que se toca nas igrejas faz parte da identidade de seu povo? Em que medida a música que produzimos e ouvimos nos faz aprender de forma geral e nos ajuda a edificar um corpo coeso em amor? E, novamente, como sino de catedral, uma questão que deve sempre ressoar: em que medida a música que se produz nas igrejas revela a grandiosidade do Deus que busca contemplar?



Nivea Lazaro

Nivea Lazaro é mestre em Ciência da Arte pela UFF com pesquisa nas áreas de Etnomusicologia, Música e Antropologia. É professora de inglês e português. Atualmente, está desenvolvendo projetos culturais e gosta muito de desbravar esse vasto Brasil que Deus criou.




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